
Esta entrevista decorreu num clima de cordialidade inesperado.
CINE-TUGA: Como se processou a adaptação do conto?
Edgar Pêra: Depois de ler e resumir, procurei esquecer.
CINE-TUGA: Esquecer?
Edgar Pêra: Resumia uma vezes vezes com o livro à frente, doutras só de memória. Depois escrevi o guião a partir dessas notas. Só mais tarde peguei no livro. Voltei a esquecer o conto durante as rodagens. Raramente caía na tentação de o consultar. Preferi trabalhar a partir da impressão incial.
CINE-TUGA: como se as cenas a filmar fossem também platónicas. Arquétipos de cenas.
Edgar Pêra: Não iria tão longe. Mas sim, interesou-me interpretar as cenas “originais” que tinham gerado o conto.
CINE-TUGA: Mas como surgiu a voz do narrador?
Edgar Pêra: Tinha jurado amim mesmo que não caíria na tentação da voz off.
CINE-TUGA: Encaráva-la como uma bengala…
Edgar Pêra: Excato! Não me interessava “chancelar” literaria e artisticamente o filme. Nem suportar a narrativa cinematográfica com umas frases pomposas escolhidas para o efeito.
CINE-TUGA: Mas há que reconhecer o poder hipnótico de um narrador, daquele narrador…
Edgar Pêra: Apercebi-me que o mistério em vez de desaparecer adensava-se com a narração. Reli o conto mais uma porrada de vezes. Cheguei à conclusão que o texto iluminava para voltar a esconder.
CINE-TUGA: As gravações das narrações com o Nuno Melo em casa do Vítor Rua ficaram para a história do filme…
Edgar Pêra: Aí improvisávamos mais, o ambiente era (muito) mais descontraído e acabámos por escolher outras frases. Boas tiradas não servem para nada se não criarem determinado ambiente. E as descrições das personagens também de pouco servem.
CINE-TUGA (poético): Sobram moléculas sónicas… Soube que também improvisaram bastante com a personagem João Caracol (Vítor Correia).
Edgar Pêra (sorriso nostálgico).: Essas rodagens foram particularmente animadas porque o Vítor ,dando-lhe um tema ,aplica toda a sua sabedoria. Do Bairro Alto a Tavira! É uma autêntica matraca a discursar. Terraplanagem falante!
CINE-TUGA: Os diálogos de Caracol sobre a “bazzokada”, com a guitarra portuguesa do José Pracana de fundo, quase parecem rap ou hip-hop…
Edgar Pêra (em espantosa consonância): Sim. E com a tia Lurdes (Paula Só) filmámos algumas das cenas mais hilariantes…
CINE-TUGA: Quase que diria de cinema espanhol.
Edgar Pêra: Não me perturba a comparação. A própria fotografia amarelo-esverdeada do luís Branquinho contribui para que essa cena nocturna se transformasse num momento de terror luso, porque não ibérico? As referências religiosas são as mesmas neste caso….
CINE-TUGA: Facas e avé-marias foram também inventadas no momento?
Edgar Pêra: A Paula trouxe alguma da sua memória teatral para essa cena. Facilitou também já conhecer a Teresa Salgueiro (Leonor é sobrinha da Tia Lurdes) nos tempos do Bando - onde a Teresa tinha já cantado algumas destas canções. Recuamos e avançamos no tempo. Tudo se conjuga. (místico)
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